Pesquisadores usam neurociência para explicar a polarização no País; confira as conclusões

Estudo da UFMG mediu respostas neurais de eleitores de Lula e Bolsonaro; emoções intensas, no estilo ‘amor e ódio’, dificultam diálogo

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Foto do author Hugo Henud
Foto do author Zeca  Ferreira

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisaram, pela primeira vez, a polarização entre eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com base na atividade cerebral. O estudo registrou as reações neurais dos participantes por meio de eletrodos acoplados à cabeça enquanto realizavam tarefas relacionadas aos dois políticos.

Os resultados confirmam que a polarização no Brasil vai além do campo ideológico, sendo essencialmente emocional. Embora essa característica seja reconhecida pelas ciências políticas, a pesquisa conduzida por Diego Cortezzi Pedras e Margarete Schmidt oferece evidências fisiológicas que reforçam essa tese. O estudo identificou uma relação de “amor e ódio”, com respostas marcadas por intensa carga afetiva, o que pode comprometer a capacidade crítica dos indivíduos.

Experimento envolveu três tarefas, que foram executadas por 18 mulheres e 16 homens Foto: Diego Cortezzi Pedras/Divulgação

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A pesquisa integra o doutorado em Psicologia de Diego Cortezzi Pedras, enquanto seu desenho, coleta e análise de dados fizeram parte do pós-doutorado em Neurociências de Margarete Schmidt. A íntegra deve ser divulgada em abril, mas os pesquisadores anteciparam os principais achados em entrevista ao Estadão.

Margarete afirma que a polarização tem forte componente afetivo. “Isso acaba limitando a capacidade do indivíduo de avaliar e criticar com mais discernimento. Ele não se distancia do objeto: ou odeia profundamente ou ama intensamente e, da mesma forma, se fecha para a atenção”, explica a pesquisadora. Ela acrescenta que esse fenômeno, quando combinado com outras teorias, como o viés de confirmação, ajuda a compreender o cenário atual. “Muitas vezes, quando alguém busca uma confirmação, não está recorrendo à razão, mas à emoção, para reforçar a convicção de que está certo.”

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Por sua vez, Pedras diz que as descobertas da pesquisa ajudam a entender por que o diálogo entre lulistas e bolsonaristas se tornou tão difícil. “Quando começamos a afastar as pessoas, colocando-as em caixas e bolhas, inibimos sua participação no diálogo. E ao impedir essa troca, acabamos reforçando a polarização em vez de reduzi-la”, afirma.

Experimento avalia atenção e reação emocional de eleitores

A pesquisa contou com 200 voluntários, dos quais 60 fizeram o eletroencefalograma. Após exclusões, a amostra final foi de 36 participantes (de 18 a 43 anos), sendo 18 mulheres e 16 homens. Além disso, o experimento envolveu três tarefas. Na primeira, a atividade cerebral dos participantes foi monitorada por eletroencefalograma. Nas outras duas, foi avaliado o tempo de reação em testes de perguntas e respostas com imagens de Lula e Bolsonaro.

Na primeira etapa, os voluntários foram colocados em uma cabine e expostos, aleatoriamente, a três fotos: de Bolsonaro, de Lula e de um homem desconhecido. A imagem do desconhecido apareceu em 73% das exibições, enquanto as dos políticos foram mostradas em 13,5% dos casos cada uma.

Eleitores de Lula deviam contar quantas vezes a foto de Bolsonaro surgia, e vice-versa. Durante a tarefa, a atividade nos lobos frontal e parietal foi analisada para medir o nível de atenção. O eletroencefalograma registrou picos quando os participantes viam as imagens dos políticos, enquanto a foto do desconhecido reduziu a atividade cerebral.

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Os resultados indicaram que eleitores de Lula concentraram sua atenção na contagem da imagem de Bolsonaro, como exigia a tarefa. Já os de Bolsonaro demonstraram picos tanto ao ver Lula quanto Bolsonaro, o que sugere uma resposta mais emocional.

“É como se o eleitor de Lula mantivesse o foco na tarefa, enquanto o de Bolsonaro tivesse uma reação emocional mais intensa a ambos os estímulos. Isso sugere que o eleitor bolsonarista reage de forma mais emocional, demonstrando um vínculo maior com os estímulos no nível emocional”, diz Margarete.

Segundo a pesquisadora, esse padrão pode indicar que, diante do grande volume de informações disponíveis, eleitores bolsonaristas absorvem os conteúdos de maneira menos completa, pois não dedicam a mesma atenção ao contexto geral.

Pesquisa aponta que a polarização é reforçada por processos psicológicos profundos Foto: Diego Cortezzi Pedras/Divulgação

As segunda e terceira tarefas seguiram o modelo de IRAP (Implicit Relational Assessment Procedure), um teste que mede associações implícitas. No primeiro, os nomes “Lula” e “Bolsonaro” apareciam na tela, seguidos por três fotos de cada um. O participante deveria indicar se a imagem correspondia ao nome exibido, escolhendo entre “Igual” ou “Diferente”.

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No segundo teste, fotos de Lula e Bolsonaro serviam de referência, acompanhadas por palavras como “honesto” ou “desonesto”, “trabalhador” ou “preguiçoso”. O participante precisava dizer se a característica combinava ou não com a imagem mostrada.

Nesses dois testes, o tempo de resposta dos eleitores de Bolsonaro também revelou um nível maior de emoção na execução da tarefa em comparação com os de Lula.

Bolhas ideológicas e o reforço da polarização

A pesquisa também aponta que a polarização está sendo reforçada não apenas pelo discurso político, mas por processos psicológicos profundos.

Margarete destaca que um dos fatores que intensificam essa divisão é o reforço dentro das próprias bolhas ideológicas. “Os grupos vão se reunindo em bolhas que fazem com que eles se sintam emocionalmente abraçados e mais fortalecidos”, diz. Esse mecanismo dificulta a aceitação de novos argumentos e reforça convicções, independentemente de sua veracidade.

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Esse efeito, explica, se conecta a um conceito conhecido como polarização afetiva, no qual o antagonismo entre grupos políticos não se limita a diferenças programáticas e estruturais, mas transborda para o cotidiano, influenciando desde interações sociais até hábitos de consumo.

Saídas para a polarização

Se a polarização política no Brasil tem um componente emocional intenso, a questão que surge é: há saída? Os pesquisadores apontam que a única maneira de reduzir essa escalada é por meio de iniciativas que estimulem o diálogo e impeçam a radicalização nas bolhas ideológicas.

“Quanto mais rechaçamos o diferente, mais ele se distancia e se fortalece dentro de sua bolha”, explica Margarete. “Se o ambiente permitir que as pessoas expressem suas opiniões sem serem ridicularizadas, há mais chances de que elas reconsiderem certas posições.”

Outra estratégia sugerida pelos pesquisadores é o combate sistemático à desinformação, incluindo a regulamentação das redes sociais. Na avaliação de Pedras, as fake news são um fator determinante para a manutenção da polarização, já que reforçam narrativas que alimentam o medo e intensificam a hostilidade entre os grupos opostos.

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“Quando há um controle maior sobre a disseminação de informações falsas, você reduz o impacto das redes de desinformação e enfraquece a crença em narrativas extremas”, diz o pesquisador, que encerra com um alerta: se a política continuar sendo movida por emoções extremas, o diálogo se tornará impossível. E sem diálogo, a democracia perde seu principal alicerce.